DIA 3 - De La Paz à Copacabana
Estava programado para sair de La Paz às 8 da manhã. Seriam 3 horas de viagem até Copacabana. Bem, isso era o programado. O que aconteceu foi um pouquinho diferente.
O ônibus que peguei, se não era uma daquelas peruas de lotação que infestam La Paz assim como fazem com São Paulo, era um mini-ônibus, bem velhaco, que me trouxe uma lembrança no mínimo inusitada. De alguma forma me lembrou de um ônibus que Michael Douglas guiava no filme "Tudo por uma Esmeralda". Putz, daonde foi que eu tirei isso??
Talvez esteja sendo meio exigente, o ônibus não parecia tão ruim assim. Bem, não parecia, mas era. Ao pararmos na segunda agência de turismo para recolher outros passageiros, o dito busão não queria mais andar. Problemas com a ignição: lá se vão três bolivianos se enfiarem debaixo do ônibus, procurando o tal cabo desconectado.
Enquanto isso, no andar de cima, todos em clima de expectativa. Uma senhora, com pinta de religiosa, começou a pedir para que mudássemos de carro, que aquele já estava "malogrado", que Deus nos protegesse. Ótimo começo para uma viagem tranquila.
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Mas o tal mini-ônibus se comportou bem. Depois do começo conturbado, a viagem foi tranquila.
Até se chegar ao Lago Titicaca, a paisagem é bem árida e pobre. Um grande descampado marrom, sem árvores ou vegetação, se extendendo até o horizonte. A atração está ali, onde vê-se uma cordilheira de picos nevados. Ao chegar ao lago, é necessário cruzar um estreito através de uma balsa. Na verdade a tal balsa não passa de um barco de madeira, tanto que é preciso atravessar o estreito separadamente: passageiros num barco e busão no outro.
A partir dali a estrada passa a contornar as encostas do lago. O Titicaca é enorme e a paisagem vai ficando mais bonita à medida que subíamos. Ao mesmo tempo, as encostas bastante altas e a estradinha tortuosa faziam lembrar as perfeitas condições de manutenção do nosso querido ônibus.
Cada vez mais perto de Copacabana, a vegetação vai se tornando mais densa. Se chega à cidade por trás: ao cruzarmos uma das montanhas, avista-se Copacabana lá a frente, nas margens do Lago. Chamá-la de cidade é exagero, talvez "vila" seja mais apropriado. Mas uma vila famosa, local de migrações religiosas por abrigar a Catedral da Virgem de Copacabana, padroeira da Bolívia.
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Ainda na saída de La Paz, nosso ônibus, já cheio de mochileiros, parou na praça São Francisco para recolher mais alguns gringos e outros bolivianos.
Lotação completa, acabou sentando-se ao meu lado um daqueles tiozinhos que adoram puxar conversa e não se importam em contar a vida inteira para qualquer desconhecido. Um dia ainda aprendo a fazer isso.
Como ainda fui dando trela, o papo (ou melhor, o monólogo...) durou praticamente toda a viagem. O tiozinho era jornalista aposentado, peruano de Cuzco, foi radialista e narrador de futebol (pudera que falasse muito...) e era todo orgulhoso de ter tido um programa no rádio durante 44 anos. Além disso era uma espécie de católico praticante, já tinha viajado o mundo atrás desses congressos e encontros. Figuraça.
Ah, a mulher dele era aquela religiosa preocupada, que ficou colocando zica no ônibus antes de sairmos. Por algum motivo, ele não quis sentar-se ao lado dela...
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Uma das coisas a se fazer em Copacabana é visitar a Ilha do Sol, o berço mitológico do fundador do Império Inca, Manco Capac. Cheguei, almocei e fui. O tempo urge, minha gente...
Demora-se mais de uma hora para chegar a ilha. No meio do Lago Titicaca, eu e mais cerca de dez outros gringos estávamos instalados em cima do teto do barco, praticamente sendo congelados. A altitude ali fica perto dos 4000 metros acima do nível do mar, o que faz com que, mesmo com sol, o lago produza uma brisa polarmente agradável.
Como todos se unem nas dificuldades, antes de sermos congelados, começamos a conversar. Trocando idéias sobre os roteiros de cada um, em pouco tempo os grupinhos de afinidade já estavam formados. Nessas horas, o silêncio constrangedor não dura mais de dois minutos. E eu, que não tive tempo de me lembrar que era tímido, apenas me deixei levar pela maré. Quando vi, já tinha embarcado na conversa.
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O resultado é que minha viagem solitária durou dois dias. Em meia hora já estávamos combinando de ir a Machu Picchu todos juntos e naquela noite eu já estava jantando ao lado de mais 5 pessoas. As coisas mudam, e rápido.
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Carlos, jornalista brasileiro de uns 30 anos; Cláudio e Carla, casal de bolivianos, ele nascido e criado no Canadá; Stefânia, literata da Universidade de Bologna, 37 anos e perdida na estrada; Peter e Gail, casal quarentão inglês, figuraças dando a volta ao mundo há quase um ano. Todos entraram para a galeria dos personagens da estrada.
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É impressionante como os europeus começam a trabalhar tarde e, enquanto isso, aproveitam para passar o tempo viajando pelo mundo.
Ainda mais impressionante é como cada vez mais os gringos tiram férias de um ano, e, que fazer?, let´s travel around the world.
Ainda hei de descobrir se isso é herança do abençoado Estado assistencialista ou apenas resultado de alguma herança familiar abastada...
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Blues. Era o que ouvíamos enquanto traçávamos uma gostosa truta do Lago Titicaca. Uma truta temperada com bacon, que lhe dava gosto de salmão. Enquanto a truta era acompanhada por uma boa cerveja boliviana, eu e o Peter tentávamos adivinhar quem eram os bluseiros responsáveis por cada música. B.B. King, Howlling Wolf, John Lee Hooker... Todos ali muy bolivianos.
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Não pensei que ia voltar a dormir tontinho tão cedo...
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Gente legal é que nem grama, aparece em qualquer lugar do mundo...
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